domingo, 27 de janeiro de 2008

# VI - Certo, Errado, ou Assim Assim?

A imagem no jornal fez José arregalar os olhos. Uma bela mulher de cabelos ondulados parecia flutuar em frente a uma casa destruída por aquilo que parecia ter sido um incêndio. Tirando os olhos da fotografia (e também dos seios da mulher...), José começou a ler a notícia intitulada "Ville Belleville - A Mansão Ardida":

Ardeu! Simplesmente ardeu! A Mansão da Senhora Belleville ardeu com todo o seu rico recheio lá dentro. Estávamos todos a jantar e algo começou a arder, explica Mrs. Belleville, Não sabemos o que foi... mas agora não temos nada... rigorosamente nada. Por entre as lágrimas, vê-se o desespero de uma das mulheres que era considerada a mais rica e delicada do nosso país. Não deixa de se sentir uma certa nostalgia ao ver Ville Belleville arrasada pelo fogo. Aquela que antes fora uma Mansão senhorial bela, que nos levava a pensar nos tempos em que reis e rainhas por aqui circulavam, é agora um amontoado de cinza e pedra carbonizada... desesperemos, por perder uma das mais belas maravilhas do mundo: Ville Belleville - A Mansão Ardida.

José olhou perplexo para a imagem da casa ardida. Parecia realmente que tinha sido uma belíssima mansão senhorial... e estava completamente destruída. E a mulher, Mrs. Belleville... a tristeza que lhe ia no olhar, aqueles peitos...

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

#V - Ville Belleville

José acordou assustado agarrado à cicatriz em forma de relampâgo que tinha na testa. A tia Petúnia estava a bater nas escadas, chamando-o para o pequeno almoço. Os pais tinham morrido num acidente de automóvel...

José acordou assustado, caindo da sofá, onde adormecera a ler. A história do casarão Ville Belleville deixara-o exausto. Instintivamente levou a mão à testa. Não sangrava, nem tinha nenhuma marca aparente. Espreguiçando-se e estalando, José apagou a televisão e levantou-se. Tinha fome.
Subitamente ("como sempre", resmungou José) algo despertou a sua atenção. A janela da sala espalhava-se em pedaços afiados pelo chão. Varreu com os olhos a sala, à procura de qualquer coisa que explicasse o vidro partido. Não teve de procurar muito. Junto à janela, estava um tijolo embrulhado numa folha de jornal. José desembrulhou-o.
O tijolo era normalíssimo, à excepção de um pequeno padrão de ondas que o atravessava ("será...Ville Belleville?"). Mas o jornal, o jornal despertou-o definitivamente (mais do que o vidro que acabara de pisar). Era de Agosto de 1939.

# IV - Uma noite e um sonho

Pois como quem diz que coiso, José teve a belíssima ideia de ir ler assim que chegou a casa, ainda transtornado pelo encontro de primeiro grau com dois monstros: um sapo e um macaco. Tudo isso num fim de tarde que deveria ser normal, não fosse aquela porcaria de situação em que se metera.
Voltando à leitura, deu por si numa parte extremamente interessante do texto:

"Ele virou-a com força e pô-la de quatro. Estava tão inebriado pelo cheiro dos corpos que nem se apercebeu que ela lhe cravara a unha nas costas durante a posição anterior..."

Eh pah!!! Não era isto que eu estava a ler!, pensou José. Sabe-se lá como, uma revista pornográfica tinha-lhe ido para às mãos, na parte menos interessante: a da literatura porno!

De repente, um som fê-lo despertar dos seus depravados pensamentos: algo batera na janela com força. José virou-se e esperou para ver se seria apenas da sua imaginação, mas de novo algo bateu na janela. Levantou-se então e dirigiu-se, a medo, da única janela da sua sala. Quando estava quase junto, o objecto bateu de novo na janela, mas desta vez com tanta força que acabou por partir o vidro, embatendo também na cabeça de José, fazendo-o cair para trás agarrado à testa que sangrava.

domingo, 20 de janeiro de 2008

# III - Só se estraga uma casa...

"O anel!" borbulhou a Madame Sapa, mostando os dentes esverdeados num sorriso que fez José encolher-se.
"O anel" assentiu o Sr. Símio, passando o braço sobre os ombros de Madame Sapa num sorriso que lembrou a José um documentário que vira na semana anterior sobre os benefícios da Vitamina C.
"Mas que anel?" sobressaltou-se José.
"O anel. O anel" repetiu a gorda.
"Mas qual anel?" retornou José, exasperado com o sorriso estático do segurança que o fitava feliz.
"Não se lembra?" perguntou o segurança. "Ontem, à noite, aqui? Encontrámo-nos ali junto ao nº21? O amigo garantiu-me que precisava do anel, que era uma questão de vida ou de morte..."
"Eu...eu...olhe..." gaguejou José "eu não faço ideia do que estão a falar."

Madame Sapa encarou um subitamente sério Sr. Símio num esgar que fez os joelhos de José tremerem. Preparava-se para começar a correr, quando o Sr. Símio voltou ao sorriso que prendeu os olhos arregalados de José à sombra da gorda.

"Bem, então desculpe, é engano."

Voltando-lhe costas, os monstros afastaram-se conversando furiosamente baixinho.
José, confuso, deixou-se ficar ali no meio da estrada cada vez mais escura. Um anel? Encontrara o segurança na noite anterior? Como era possível?

# II - "Mas que raio...?"

O seu lento virar de cabeça pareceu demorar anos. José não estava, definitivamente, habituado a ver coisas com sombras grandes, pelo menos não atrás de si. Recordou-se, num instante de estupidez pura, de um dia de sol em que vira uma mulher estupidamente gorda a lançar sombra para um grupo de cerca de oito crianças. Quase se ria com essa situação, não fosse o facto de estar a ser quase engolido por aquela sombra.

Finalmente a sua cabeça acabou a rotação e viu, horrorizado, uma mulher enorme, a mesma daquele dia de sol, seguida do segurança da livraria, aquele estupido simio.

- Pode devolver-me o anel? - perguntou uma voz gutural que José percebeu, enojado, vir da garganta da mulher. Aqueles lábios carnudos, aquele queixo de sapo, as bochechas a moverem-se sem que ela falasse. Uma imagem retirada de um filme de terror e depois estava aquele macaco estúpido, o raio do segurança, com um ar de quem ganhou a lotaria.
- Qual anel, minha linda senhora? - respondeu José a custo, Toda aquela situação o desagradava, principalmente porque estava com pressa. Tinha de resolver o seu problema mais premente, aquele que o levara à livraria nessa tarde, e tinha de ler os livros antes que fosse tarde demais.

sábado, 19 de janeiro de 2008

# I - O abrir das hostilidades

"Um livro, dois livros, três livros..." contou mentalmente José "nunca vou conseguir ler tudo isto a tempo". Suspirando, atirou os livros para dentro da mala e afastou-se mal humorado da livraria. Saiu, sorrindo insolentemente ao segurança, um símio de farda e maxilar estúpido que o encarou mal humorado.

Há meses que roubava livros naquela livraria. Por entre todos os clientes, os milhares de livros e o segurança estúpido que batia os pés de aborrecimento à porta, nunca tivera problemas. Afinal, que diferença fariam dois ou três livros por semana? E desta vez, precisava mesmo dos livros. A resposta estaria ali.

Matutando os acontecimentos da noite anterior, avançava apressado para casa. A noite caía, outra vez. A rua, sufocava no calor silencioso, enrolada em cachecóis e mantas de flores e trepadeiras que caíam desfiadas pelos muros secos das vivendas vazias
"Todos de férias" resmungou José "e eu aqui, numa situação destas".
Subitamente, uma sombra atrás de si projectou-se por cima da sua cabeça. Sobressaltado, José virou-se para trás.